quinta-feira, 30 de setembro de 2010

o país


Segunda-feira passada, a meio da tarde, faço a A-6, em direcção a Espanha e na companhia de uma amiga estrangeira; quarta-feira de manhã, refaço o mesmo percurso, em sentido inverso, rumo a Lisboa. Tanto para lá como para cá, é uma auto-estrada luxuosa e fantasma. Em contrapartida, numa breve incursão pela estrada nacional, entre Arraiolos e Borba, vamos encontrar um trânsito cerrado, composto esmagadoramente por camiões de mercadorias espanhóis. Vinda de um país onde as auto-estradas estão sempre cheias, ela está espantada com o que vê:


- É sempre assim, esta auto-estrada?
- Assim, como?
- Deserta, magnífica, sem trânsito?
- É, é sempre assim.
- Todos os dias?
- Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.
- Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?
- Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.
- E têm mais auto-estradas destas?
- Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre S. Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma: só uns quilómetros à saída de S. Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia, nos acordos de Quioto, etc. - respondi, rindo-me.
- E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?
- Porque assim não pagam portagem.
- E porque são quase todos espanhóis?
- Vêm trazer-nos comida.
- Mas vocês não têm agricultura?
- Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.
- Mas para os espanhóis é?
- Pelos vistos...

Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:
- Mas porque não investem antes no comboio?
- Investimos, mas não resultou.
- Não resultou, como?
- Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.
- Mas porquê?
- Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não 'pendula'; e, quando 'pendula', enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante, há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de 'modernidade' foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.
- E gastaram nisso uma fortuna?
- Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos...
- Estás a brincar comigo!
- Não, estou a falar a sério!
- E o que fizeram a esses incompetentes?
- Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.
- Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?
- Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km .
Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.
- Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?
- Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o prof. Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente, pára em Lisboa, em duas estações.
- Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?
- Isso mesmo.
- E como entra em Lisboa?
- Por uma nova ponte que vão fazer.
- Uma ponte ferroviária?
- E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa.
- Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!
- Pois é.
- E, então?
- Então, nada. São os especialistas que decidiram assim.
Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.
- E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta...
- Não, não vai ter.
- Não vai? Então, vai ser uma ruína!
- Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é que vai ser uma ruína - aliás, já admitida pelo Governo - porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.
- E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?
- Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!
- E vocês não despedem o Governo?
- Talvez, mas não serve de muito: quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...
- Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?
- Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.
- O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?
- A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.
- Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?
- É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade.

Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:
- E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?
- O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa.
- Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?
- É isso mesmo. Dizem que este está saturado.
- Não me pareceu nada...
- Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás, estão a liquidar a TAP.
- Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?
- Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa: um sucesso garantido.
- E tu acreditas nisso?
- Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?
- Um lago enorme! Extraordinário!
- Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.
- Ena! Deve produzir energia para meio país!
- Praticamente zero.
- A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!
- A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.
- Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar - ou nem isso?
- Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.
- Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada?
- Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor.
Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:
- Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?
- Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez.

Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:
- Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém!

Miguel Sousa Tavares

terça-feira, 21 de setembro de 2010

o piercing

a notícia:
Coimbra

Professor de ginástica proibido de usar 'piercing' recorre a tribunal

19 Setembro 2010

Docente foi impedido de entrar no centro educativo por não retirar brinco. Sindicato denuncia discriminação "ilegal"

Um professor de Educação Física de 31 anos do Centro Educativo dos Olivais, em Coimbra, foi impedido de usar piercings nas aulas pela direcção do estabelecimento da Direcção-Geral de Reinserção Social. Agora vai recorrer para tribunal para contestar a decisão.

Fonte do Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC) disse à Lusa que o docente "está a ser acompanhado pelos serviços jurídicos" da organização sindical com sede em Coimbra.

"Tudo indica que há aqui um acto de discriminação ilegal e absurda", adiantou o sindicalista João Louceiro, coordenador da direcção distrital de Coimbra do SPRC.

O professor usa diariamente numa orelha "uma pequena argola e mais dois adornos de tamanho reduzido", tendo sido intimado pela directora do centro educativo, Ângela Portugal, para remover as peças durante as actividades escolares. A Lusa apurou que a direcção ter-se-á baseado no regulamento interno da instituição dos Olivais, que proíbe aos jovens ali acolhidos o uso de piercings, regra que entendeu dever aplicar também aos docentes, apoiada nas orientações da Direcção-Geral.

O professor, que se recusa a falar do assunto, comunicou de início à directora que não pretendia retirar os piercings, justificando que usa estes brincos por causa de "uma promessa pessoal feita há dois anos".

Na segunda-feira, ao apresentar-se no centro educativo para dar aulas, foi-lhe reiterado na portaria que não poderia entrar nas instalações escolares com os adornos, devendo ali aguardar por Ângela Portugal, que de imediato lhe confirmou a decisão tomada na semana passada.

O professor conversou com a direcção do Agrupamento de Escolas Martins de Freitas, a que pertence, e ainda faltou dois dias às aulas. Aconselhado pelos serviços jurídicos do SPRC, acabou por retirar os piercings e regressou na quinta-feira ao centro educativo, onde foi apresentado às turmas.

João Louceiro admitiu que a ordem da directora para que o professor, ali colocado mas adstrito ao Agrupamento Martins de Freitas, "até poderia ter justificação se fosse por motivos de segurança". "Mas tudo indica que não é isso que está em causa."

Um advogado do SPRC está agora a preparar uma contestação ao cato da instituição. A Lusa tentou obter uma reacção da directora do centro educativo. in diário de notícias

a opinião:

O CENTRO EDUCATIVO dos Olivais, em Coimbra, achou, porque trabalha com miúdos difíceis, em "reinserção social", que os piercings não deviam ser autorizados aos alunos. Certo? Errado? Podemos passar horas a discutir a eficiência da medida mas temos de admitir que, sendo o piercing um sinal, pode ser considerado negativo.

É legítimo pôr-se como hipótese que o seu uso transmite uma identificação que os educadores daquele centro querem afastar dos seus alunos. Em tempos da semiótica rainha, em tempos em que as marcas e a imagem são tudo, é prudente dar-se atenção aos sinais. O Centro Educativo dos Olivais deu atenção àquele, o piercing, proibindo-o. Errado? Certo? Por enquanto, regulamento e para ser aplicado. E só devendo ser modificado em função do entendimento do que é melhor para os alunos. Sublinhem essa palavra, alunos, a razão de ser daquele centro.

Mas intrometeu-se nesta história um professor que tem três piercings e foi proibido de os usar na escola. Sei que é de Educação Física e que, indo por aí, eu explicaria mais facilmente a minha tese de que ele não pode usar os piercings por ser perigoso no ginásio. Mas tenho um argumento melhor e definitivo para que um professor com piercings não possa ser professor num Centro Educativo onde o regulamento proíbe os piercings aos miúdos em reinserção social. O argumento é: porque sim.
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«DN» de 21 Set 10, por Ferreira Fernandes


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

o aluno mais esperto

"A história é revelada este sábado pelo Expresso e começa como a de muitos jovens. Tomás começou a ter dificuldades em terminar o ensino secundário. Por muito que tentasse não conseguia fazer a disciplina de matemática e os vários chumbos fizeram com que desistisse da escola sem acabar o liceu.

No ano passado, conseguiu arranjar uma solução. Inscreveu-se num Centro de Novas Oportunidades em Esposende, frequentou os módulos de Saberes Fundamentais e Gestão e conseguiu a equivalência ao 12.º ano.

Agora entrou na Universidade de Aveiro, no curso de Tradução, e, de acordo com as listas do Ministério do Ensino Superior, é o aluno com a nota mais elevada de entrada.

Os 20 valores que colocam Tomás no topo da lista das melhores notas de entrada na faculdade não têm em conta as notas do secundário, que Tomás não terminou. Foram a nota que teve no exame nacional de inglês, a prova específica para entrar no curso de Tradução.

De acordo com a lei, os alunos que concluíram o secundário através de vias que não prevêem a atribuição de notas (o que acontece nos cursos do programa Novas Oportunidades) e que querem aceder à Universidade concorrem apenas com as classificações que obtêm nos exames nacionais exigidos como provas de ingresso no curso que querem. A nota que obtiverem nas provas de ingresso vale como nota de conclusão do secundário.

A situação é, por isso, permitida por lei. Mas Tomás sente que beneficiou de uma injustiça. «Para mim, foi óptimo, Mas é claro que é bastante injusto porque os outros passam anos a esforçar-se para terem boas médias.
Com o Novas Oportunidades, uma pessoa que só tem o 7.º ano pode fazer o 9.º em seis meses e a seguir, em ano e meio, consegue tirar o 12.º. Se tiver sorte, pode passar à frente [no acesso à universidade] e tirar o lugar às pessoas que fizeram esse esforço.
Conheço quem tenha entrado assim no ensino superior», admite Tomás em declarações ao Expresso."

sábado, 18 de setembro de 2010

ideias

Sou completamente CONTRA a expulsão dos ciganos em França!

Porque eles acabarão por vir cá parar todos. ideia tirada daqui

domingo, 12 de setembro de 2010

entretanto, no Japão...

O País dos falsos centenários

O JAPÃO
desilude com o seu sistema de contar velhinhos.

No princípio de Agosto, o país conhecido por ser recordista de centenários descobriu que um era falso: Sogen Kato, que deveria ter 111 anos, e a quem a Segurança Social pagava mensalmente a reforma, afinal já tinha morrido há 32 anos (nem octogenário era!) - a família guardava o corpo mumificado lá em casa.

Outros poriam uma pedra tumular sobre o assunto, mas os japoneses são rectos: tal como Toyota recolheu milhares de carros por defeito nos travões, os registos nipónicos puseram-se à procura de provas de vida dos seus cidadãos de modelo mais antigo.

Olhem, também a mulher mais velha de Tóquio, de 113 anos, não era vista desde 1986... Além de muitos é como se os centenários nipónicos fossem adolescentes fugitivos.

A meio de Agosto, as autoridades apresentaram uma estimativa tremenda: haveria 200 japoneses centenários por encontrar! Anteontem, as mesmas fontes apuraram o número real (por favor, sentem-se): afinal, são 234 354 os japoneses com mais de cem anos de quem não se sabe o paradeiro. Segundo os números oficiais, haveria mais de 77 mil japoneses com mais de 120 anos e 884 com mais de 150!

Já percebemos, os centenários japoneses ganharam fama graças a um sistema deficiente de dar baixa dos cidadãos. Nada como notícias destas para dar cabo de uma frase típica lusa: "Isto, só neste país..."
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«DN» de 12 Set 10
Por Ferreira Fernandes
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